A mudança é uma tarefa de design de uma nova visão de mundo
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A mudança é uma tarefa de design de uma nova visão de mundo

20 de outubro
Criado por: Luisa Fedrizzi

“A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo não pode nascer; neste interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem”. A frase do filósofo marxista e político italiano Antonio Gramsci, em 1929, me veio à mente ao pensar sobre as mudanças de paradigma que os tempos atuais trazem – mudanças que às vezes parecem prestes a acontecer, e às vezes parecem tão distantes quanto eram no momento em que Gramsci a escreveu.

O peso que as transformações paradigmáticas do momento têm e requerem da humanidade não é menor do que os desafios que temos pela frente quando pensamos nas crises empilhadas que começamos a enfrentar – mas é justamente este peso que pode impulsionar os saltos quânticos de que precisamos para sermos capazes de (re)agir. É tarefa de todos que estão aqui e agora desenhar – ou seja, fazer o design – de uma nova visão de mundo, que flua de uma nova consciência e de novos valores e seja capaz de gerar novas intenções que informem o que, como e por quê moldamos nossa existência: sistemas, interações, relações, estruturas físicas e simbólicas, processos, objetos.

Trago um exemplo pessoal para ajudar a construir este ponto. Há pouco mais de quatro anos, me tornei vegana, depois de cinco anos sendo ovolactovegetariana. Contudo, não foi meu amor por queijos ou ovos que me segurou por tanto tempo neste meio de caminho: foi a ausência de uma mudança, ou expansão, de visão de mundo. No momento em que compreendi profundamente – mais do que entender com minha mente racional e analítica, senti e incorporei com o que agora acredito poder chamar de “modo holístico de consciência” – o que está em jogo no consumo e no uso de qualquer tipo de insumo de origem animal, uma chave virou. Um paradigma foi alterado. E, com isso, qualquer “desejo” ou “necessidade” (entre aspas mesmo, já que não eram reais) que me conectava à exploração animal cessou de existir, quase como em um passe de mágica. 

O exemplo é pessoal, mas não é individual: vi o mesmo movimento cósmico acontecer com outras pessoas, ouvi delas o mesmo tipo de relato. Percebi que se torna uma pessoa vegana aquela que experimenta este salto, esta virada de chave, esta mudança de perspectiva – e não necessariamente aquela que passa anos ajustando, pouco a pouco, seus padrões de alimentação e consumo. É menos sobre adaptação do que é, sim, sobre ruptura.

 

Donella Meadows' leverage points (Source: based on Meadows, 1999; credit: UNDP/Carlotta Cataldi)

Donella Meadows, pontos de alavancagem (Fonte: baseado em Meadows, 1999; crédito: UNDP/Carlotta Cataldi)

 

A estrutura dos pontos de alavancagem organizados por Donella Meadows nos permite ver de forma didática a importância e a potência de intervenções que mexam nos paradigmas de um sistema – ou, como define Daniel Wahl, no início do “rio do design”, a raiz da intencionalidade que, literalmente, desenhamos para tudo que flui dela: consciência, visões de mundo, modelos e mapas para se navegar a existência neste plano e neste tempo, sistemas de valores, processos, escolhas, decisões e todas as possíveis minúcias materiais e cotidianas que nos tocam diariamente.

Perceber este todo é levar uma reflexão ontológica, filosófica, epistemológica para a prática – mas, sobretudo, é perceber que o oposto não pode se sustentar: o rio não pode correr para cima. Tentar alterar diretamente e tão somente a expressão material e comportamental de uma visão de mundo é empregar força no ponto errado da alavanca – um ponto que talvez produza alguma movimentação, mas ainda será incapaz de impactar o sistema como um todo.

 

O Rio do Design, por Daniel Wahl para Gaia Education

O Rio do Design, por Daniel Wahl para Gaia Education

 

Atitudes pessoais e pontuais, que incentivam a prática sem trazer junto a teoria (a visão de mundo), não produzem efeitos paradigmáticos e culturais cumulativos. Eis o problema de centrar a conversa sobre natureza e regeneração em discursos individualizantes e baseados em lógicas de culpa e compensação.

Enquanto fizermos “Segunda Sem Carne” para nos sentirmos menos mal com relação ao impacto da pecuária no meio-ambiente, enquanto optarmos pelo “consumo consciente” para nos eximir de nossos excessos capitalistas, enquanto nosso copo reutilizável for capaz de aliviar nossa consciência de todas as escolhas descartáveis que fazemos por pura e simples conveniência não estaremos nos movendo em direção às transformações de que tanto necessitamos.

Enquanto as conversas, os modos de produção, as regulamentações, as estruturas sociais e organizacionais que cocriamos ou adotamos forem mantidas na superfície, na frivolidade de ações práticas como as citadas acima, seguiremos incapazes de mudar o paradigma e os sistemas de valores que influenciam a visão de mundo dominante.

Seguiremos tentando fazer o novo nascer, mas presos na morte do velho e em todos os seus sintomas mórbidos.