



As definições de sucesso NÃO foram atualizadas ~ Parte 1
Enquanto empreendedora, convivi com os mais diferentes ambientes e formatos de trabalho. Como fornecedora de conteúdo e produção audiovisual para grandes marcas vi tantas vezes a insatisfação ganhando do sonho.
Vi marcas, projetos, ideias e carreiras nascerem e morrerem. Vi grandes talentos serem absorvidos pelo mercado e murchando na rotina de criar apenas o que vende, para não se estressarem com aqueles que mandam, mas que de criatividade nada entendem. Vi e vejo artistas exaustos reservando às suas próprias paredes e, com sorte às dos amigos mais íntimos, desacreditadas peças de arte que valem mais do que seus salários mensais em agências “conceituais e de design”. Vi criativos sendo podados, no auge da sua potência, porque não “encaixavam” nos padrões esperados das empresas mais descoladas do mercado (mas que precisam manter suas imagens). Vi e vejo tanta gente competente abrindo mão não só dos seus sonhos, mas de si mesmos. Nós somos afinal feitos dos nossos sonhos embora a vida profissional possa, sim, ser separada deles (mas isso é outra coisa que não nos ensinaram).
Começamos por aí: se for um sucesso profissional, sou um sucesso. Se não for um sucesso profissional, sou um fracasso. E todas as outras áreas da vida? São também fracassos? Minhas amizades, minha família, minha saúde, minha curiosidade, meus hobbies, minha vontade de desbravar e transformar o mundo? Onde fica tudo isso? O capitalismo roubou nossos sonhos e, dessa forma, nos fez sentir fracassados. Nos fez ser inúmeras vezes incapazes de perceber nosso valor nos espaços que ocupamos. Na luta para sermos notadas, realizadas, respeitadas, na luta para sermos alguém no único papel que nos foi dado como válido (o de profissionais) silenciamos nossas forças e potenciais para todos os outros papéis tão ou mais importantes que o de só trabalhar.
Ao contrário de ecoar as narrativas habituais que são feitas por e para empreendedores de sucesso tais como a clássica “trabalhe com o que você ama e nunca mais trabalhará” (que já estão datadas e rejeitadas pelas hordas de millenials e genz’s tendo burnouts consecutivos e já sendo conhecidas como “a geração burnout”) proponho que olhemos exatamente na outra direção. De que para empreender e/ou ter sucesso no espaço profissional não só é importante como eu diria essencial que se tenha vivência e entrega nas outras áreas da vida. Que se tenha abertura para o novo, para o desconhecido, para o intuitivo, para o criativo, para o que é aparentemente desimportante.
O fenômeno girlboss pós Sophia Amoruso (ex Nastygal) é uma dissidência moderna e prematuramente vencida que contaminou as jovens mulheres em início e meio de carreira entre 2010 e 2020 e que reforçou nas nossas mentes (de novo) que era do trabalho que vinha o nosso valor. Saímos da prisão do lar e da maternidade direto para a do escritório e do “sucesso”. Aquele resumão: construa seu império trabalhando 18 horas por dia; triplique os seus seguidores no Instagram; faça treinos HIIT (perfeitos para quem é muito ocupada, mas precisa ser uma empreendedora com a “bunda na nuca”); seja tão boa que não possam te ignorar; exija ser vista; exija investimento; exija felicidade; exija um lugar à mesa; exija demais seus direitos básicos, como férias, CLT que nunca vem, folgas e horas extras e exija e quase implore pelo o reembolso da gasolina, pedágio e comida do turno extra que a sua empresa “esquece” de pagar; exija o direito de usar rosa e não ser delicada; exija a camiseta de fim de ano, a caneca escrito Girlbooss com seu nome ao lado, exija o direito de ser feliz – mesmo que você não tenha tempo para isso. Mas exija o que é seu. Será que até que enfim agora temos tudo que precisamos?!
Chegamos no limite do que essas empresas e esse mercado poderiam nos dar. E perdemos nós mesmas mais uma vez. Mercantilizaram novamente a nossa luta e, com isso, usufruíram da nossa presença, energia, saúdes mental e física em nome de promessas de reconhecimento, sucesso, seguidores, cachês ou salários que não preenchem os vazios da exaustão, solidão e de uma liberdade parcial que depende integralmente desse mesmo sistema. Caneca na mão, camiseta e boné: girlboss feliz. E iludida. Primeiro burnout. E o adeus para o termo girlboss que já vai tarde, questionado e que ganhou conotações diferentes do que inicialmente propunha, como aprofunda essa matéria aqui da Vogue Portugal.
As práticas mudam de nome mas, infelizmente, seguem vivas: se a exaustão vem do trabalho, ela é valiosa. Se vem de qualquer outro lugar, não. Quantas vezes você, eu, nós não nos sentimos improdutivas por não estarmos sobrecarregadas? Quantas vezes sentimos que o trabalho tem que ser cansativo, desgastante e por vezes até excessivo para ser válido e reconhecido?
Quando reconhecemos o valor de cada ação, de cada minuto trabalhado, de cada pessoa (inclusive o nosso), de cada peça desse grande quebra-cabeças do qual fazemos parte entendemos e respeitamos o processo por completo. E quando isso acontece entendemos que coisas de valor levam tempo para serem construídas e não são feitas de uma hora para outra. Respeitar cada parte do trabalho, e cada trabalhador no seu ritmo, com o seu talento específico e entrega de valor é começar a provocar essa mudança que é ao mesmo tempo muito difícil e muito revolucionária especialmente em um contexto de mundo que nos obriga a correr e nos condena a saber de absolutamente tudo, mas não aproveitar nada.
Qual a sua definição de sucesso?