Da natureza às organizações: pluralidade e construção de comunidades
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Da natureza às organizações: pluralidade e construção de comunidades

06 de outubro
Criado por: Luisa Fedrizzi

Trabalhando com marketing e publicidade, me deparo com a palavra “diversidade” diariamente no discurso de inúmeras marcas e agências e de suas respectivas lideranças.

Há alguns anos, o tema entrou no léxico do setor – e não só dele, mas da gestão de negócios de diversas naturezas, sobretudo os que lidam com criatividade em alguma medida – por ter ganhado visibilidade a partir do trabalho incansável de ativistas de grupos minorizados no mundo todo e de argumentações sobre o tema orientadas também para a perspectiva de efetividade, perfomance e geração de resultados financeiros de times mais plurais. Um jeito de convencer quem ainda não estava convencido.

Assim, “diversidade” virou meta genérica de Recursos Humanos, virou casting de campanhas publicitárias, virou celebração (como se fossem momentos a celebrar) do mês da mulher e do mês da consciência negra, que agora se avizinha. E virou, sobretudo, ferramenta de marketing: um jeito de empresas que causam uma série de danos sócio-ambientais ao redor do planeta, que perpetuaram (e seguem perpetuando) uma série de desigualdades e injustiças sociais ao longo de anos ou décadas em diferentes partes do mundo, construírem uma imagem positiva ao redor de si, mexendo apenas – ou principalmente – nos aspectos externos, mais visíveis, mais simples e até simplistas de encarar a pauta.

Falar sobre “diversidade” demanda falar sobre inclusão e pertencimento, e falar sobre inclusão e pertencimento é falar sobre construção de comunidades, de grupos de pessoas reunidas por atividades, afinidades e/ou interesses. Numa ecovila ou no mundo corporativo, a formação deste tecido social demanda o mesmo empenho e o mesmo cuidado.

Quando entendemos o que é necessário para construir grupos ou comunidades plurais de verdade, onde todas as pessoas façam parte de forma íntegra, inteira, tendo sua voz ouvida e respeitada, sendo acolhidas em suas particularidades e se sentindo parte do todo, vemos que este tipo de iniciativa de cunho mercadológico ainda está longe de encarar a questão da forma sistêmica, complexa e profunda que ela demanda.

E ressalto aqui um detalhe deste texto que talvez você possa ter considerado apenas uma escolha de estilo: escrevo diversidade entre aspas porque para alguém representar o diverso, alguém precisa representar o padrão, a norma. Por isso, prefiro falar em pluralidade e trazer para perto do termo outras palavrinhas que complementam seu sentido – inclusão, pertencimento, equidade.

Como diz o Gaia Education, “o passado de cada indivíduo – contido na sua bagagem pessoal – entra em contato e interage com os outros, atraindo-os ou repelindo-os”, e isto alimenta o campo de uma comunidade não só dos pontos de vista simbólico e subjetivo, mas também em termos objetivos e práticos (refletidos, por exemplo, em necessidades materiais específicas ou na questão dos conhecimentos ou habilidades exigidos pelas empresas e que não condizem com a realidade sócio-econômica ou com os acessos disponíveis àquele indivíduo, naquele recorte, em um país desigual como o Brasil). Sem reconhecer isto, uma empresa não tem como verdadeiramente dar conta de mudanças em prol de uma pluralidade real em seu quadro interno e em suas iniciativas externas.

Do ponto de vista da ecologia, o tema, aliás, transcende questões de representatividade e de pautas identitárias – todas elas muito importantes e necessárias, evidentemente -, simplesmente porque não existe vida de nenhum tipo sem multiplicidade e diferença. Qualquer homogeneização não só mata esta possibilidade de vida e de perpetuação de qualquer ser ou espécie, mas também é – voltando aos seres humanos – uma falácia. A ideia de “normalidade” é uma construção social. E das mais tóxicas.

Somos seres diferentes, únicos, e quando demandamos ou somos demandados a caber em um padrão, em uma norma, estamos servindo à perspectiva de outros, e não a nós mesmos. Inclusão, equidade e representatividade são formas extremamente necessárias de justiça social e de reparação histórica. Mas também nos mostram que, se fôssemos capazes de compreender, apreciar e evidenciar a ideia de pluralidade como um reflexo de nosso valor intrínseco – e do valor intrínseco do outro -, perceberíamos que indivíduos fortes com a capacidade de mobilizar suas histórias, suas bagagens, seus talentos únicos podem produzir sonhos e resultados muito maiores do que seria possível individualmente ou dentro de estruturas opressoras das diferenças.

Por isso, o tema da pluralidade e da inclusão do ponto de vista organizacional precisa representar e materializar uma tomada de consciência real, profunda e honesta sobre as opressões, violências e perspectivas enviesadas que fazem parte de ser produto de uma sociedade – também um tipo de comunidade – desigual, excludente e construída em cima da exploração dos mais vulneráveis ao longo de séculos. Construímos sistemas anti-naturais: homogeneizantes e baseados em poder. É hora de voltarmos à sabedoria de Gaia para reaprender que nada floresce, nada prospera, nada tem vida sem diferença e cooperação.

Qual é a sua estratégia de sobrevivência?