



Emoção não tem gênero: sentir faz parte do viver
Vivemos em uma sociedade extremamente desigual. Não é diferente quando o assunto é desigualdade de gênero. Ainda se tem muito a conquistar no campo dos direitos das mulheres e, ainda mais, das mulheres negras. Acredito que ainda pensamos pouco sobre a influência e em como lidamos com alguns estereótipos de gênero que continuam se fortalecendo por aí, especialmente na infância.
Dentro dessa busca por autoconhecimento e educação emocional, ainda me deparo com dificuldades – primeiramente minhas e também das pessoas com quem trabalho e convivo – em identificar, diferenciar e nomear corretamente as emoções que sentimos. Importante destacar, antes de seguir, que emoção e sentimento são coisas diferentes. Emoção é mais uma reação do nosso organismo em relação a uma situação, por exemplo: medo, alegria, tristeza, nojo e raiva. Na emoção, as reações físicas são rápidas e visíveis, como o choro, o riso, o suor, a expressão facial… Já o sentimento surge a partir da emoção, mas é algo mais trabalhado e racionalizado, é mais demorado e não podemos ver seus efeitos físicos tão evidentemente quanto na emoção (por isso é possível escondê-los, confundi-los ou misturá-los). Alguns exemplos de sentimentos: amor, ódio, compaixão, inveja, etc.
Trabalhar com crianças tem me feito refletir muito sobre isso, porque no psicodrama uma parte importante do trabalho é saber compartilhar como nos sentimos. E por vezes tenho dificuldade de perceber nitidamente o que sinto, especialmente quando o assunto é tristeza, frustração ou raiva. Mais do que isso, existem sentimentos misturados, inclusive de culpa: “não posso sentir raiva! Que horror! Vou trocar isso por qualquer outra coisa.” Tenho certeza que muitas mulheres se identificam com essa fala. Mulheres raivosas são muito estigmatizadas. Historicamente ocupando o lugar da histérica, da louca, da bruxa, da descontrolada. Então, criamos uma espécie de negação perante essa emoção, que fazemos questão de substituir por outra coisa, que pode ser tristeza, submissão, alienação.
Para as mulheres pode ser fácil, confortável e até esperado que elas ignorem e rejeitem a raiva. A pressão sobre como é ser homem e mulher, não passa só pelo comportamento, mas também pelo que cada um pode sentir, e isso também afeta diretamente os homens! Essa inalcançável busca de enquadramento que a hetero e a cisnormatividade impõe afeta também os meninos. Para eles sentir tristeza é, por vezes, negado, porque é muito mais aceitável que eles sejam raivosos e até agressivos, famosos sinais de “macheza”. A raiva é uma emoção essencial para a nossa proteção! A raiva nos permite identificar e estabelecer limites necessários para não nos perdermos. É claro que não vamos sair por aí socando a cara de ninguém, até porque a raiva é minha e não do outro, mas eu posso usá-la para me conhecer melhor e ter a força necessária para mudar o que não me serve mais. Independente de gênero, saber identificar, acolher e (re)direcionar a raiva é fundamental para a nossa saúde mental.
O que mais me choca nesse contexto todo? As crianças seguem sendo educadas nesses mesmos rótulos e padrões, independente da classe social (obviamente não é uma verdade absoluta, nem mundial, mas ouso dizer isso a partir da minha pequena experiência). Esses dias ouvi de um menino de 7 anos, quando compartilhei que estava triste, que é assim mesmo: as meninas sempre estão tristes. Quando questionei sobre ele sentir tristeza, ele disse que nunca fica triste! É possível que a tristeza desse menino seja todinha expressada como raiva, pois ele não tem permissão de entristecer.
Para encerrar fica o convite: permita-se sentir e expressar as emoções, só assim saberemos identificar exatamente o que pode ser evitado ou transformado para lidar cada vez melhor com elas, pois elas vão continuar aparecendo já que sentir faz parte do viver. Permita-se acolher as crianças diante das suas emoções, evite reproduzir reprimendas do tipo: “menino não chora” e “menina fica tão feia brava”, converse com as crianças sobre o que elas estão sentindo e ajude elas a lidar melhor com as emoções que, por vezes, podem ser muito intensas ou desconhecidas para elas. Somos responsáveis e muito importantes para mudar essa realidade e descontinuar a transmissão desses estereótipos que dificultam que meninas e meninas desenvolvam uma inteligência emocional saudável, inclusive na vida adulta.