Espontaneidade e saúde: como anda a sua capacidade de brincar?
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Espontaneidade e saúde: como anda a sua capacidade de brincar?

06 de junho

Em 2019 comecei meus estágios em psicologia, foi quando me encontrei com o psicodrama e sua vasta filosofia moreniana sobre o momento, o encontro, a espontaneidade e a potência da grupalidade. Junto a isso, o estágio era realizado com crianças, cheias de vida e vontade de brincar. Achava meio abstrata aquela conversa de se encontrar com a nossa criança interior, mas nessa experiência foi realmente necessário.

As crianças têm uma potência de vida muito forte e nos convocam a acessar algo da leveza do brincar, algo sobre experimentação, sobre se permitir, sobre se aventurar; elas nos convidam a fazer algo pelo puro prazer e espanto de ser e de aprender, e para fazermos isso a nossa criança precisa estar disponível, emergente. 

Então, fiquei com vontade de trazer o conceito extremamente interessante e importante dentro do psicodrama que é a espontaneidade, inspirada pela Mandala Lunar (2021) que traz no rodapé dos dias 8 e 9 de outubro a seguinte frase: “Brincar é a revolução de que todos nós precisamos.” Isso me fez pensar no quanto eu estava com minha capacidade de brincar em desuso. E quero compartilhar sobre a potência que cada uma de nós tem para simplesmente desfrutar e o quanto isso é um momento de cuidado e valorização do nosso estado mental, um ato de exercício da espontaneidade que é um marcador de saúde.  

Contextualizando, Jacob Levi Moreno é o criador do psicodrama. Psiquiatra romeno, de família judaica, nasceu em 1889 e viveu em Viena até emigrar para os Estados Unidos em 1925, onde viveu até a sua morte em 1974. Garanto que foi considerado louco muitas vezes por se interessar por criatividade e espontaneidade em tempos tão fechados. A visão de ser humano que Moreno defende é a de que somos seres relacionais, capazes de se desenvolver quebrando, ou pelo menos administrando, os padrões rígidos e conservadores dos valores sociais que nos sobrecarregam Ele propõe que ao vivenciar valores sociais justos, vinculares e éticos cada indivíduo pode traçar seu próprio projeto existencial e sentido de vida. A utopia moreniana é a cura de todas as relações que estabelecemos na sociedade, assim, todas assumimos a participação na cocriação da realidade em que vivemos, logo, o coletivo também se beneficiaria. E a espontaneidade seria um grande fator capaz de conduzir esse despertar do individual para o coletivo.

Moreno diz que o primeiro ato espontâneo é o nascimento. Quando nascemos somos pura espontaneidade, nos desenvolvemos conforme as demandas, sem expectativas e ansiedades, mas de acordo com as nossas necessidades e o tempo natural delas, obviamente sendo amparadas por outras pessoas. Conforme vamos crescendo, o intelecto e até a memória começam a ser mais valorizadas do que nossa essência de ser e de se manifestar de forma integral: corpo, mente e espírito. É comum irmos nos endurecendo. A valorização do fazer, produzir, conquistar para poder consumir vai tomando conta de tudo. Passamos a apreciar muito mais a racionalização e a rapidez do que a espontaneidade. Experimentamos na pele: crescer é parar de brincar, é levar tudo muito a sério, é repetir e repetir, facilmente caindo em automatismos que vão liquidando cada vez mais a capacidade de rir e relaxar. Acabamos criando vícios para conseguir fazer isso e que apenas mascaram essa dificuldade de inteireza nas nossas relações e atividades.  

Vamos perdendo a noção dos processos que são tão presentes na infância: aprender, tentar, errar, explorar, tentar de novo… Ninguém nasceu caminhando, nem falando, as crianças vão experimentando e são (ou deveriam ser) validadas e incentivadas nas suas tentativas. Mas chega um momento que nos vemos prontas, limitadas a uma única oportunidade, ansiosas pela chegada, sem curtir o caminho, sem pedir ajuda, sem compartilhar a parte da construção.

O conceito de espontaneidade trazido por Moreno no Psicodrama é exatamente sobre se estar antenada com o fluxo, é sobre sermos capazes de nos adaptar adequadamente com as novidades, com os acidentes, com os imprevistos – que irão sempre aparecer! É ter abertura e flexibilidade para acessar a forma mais criativa de encarar as situações, por mais difíceis e inesperadas que elas sejam. Importante destacar: espontaneidade não é impulsividade, sair falando ou fazendo o que der na telha, – especialmente se agride alguém – não é saudável.

Ser espontânea em determinada situação exige presença e criatividade, exige viver de forma íntima e sincera em relação a si mesma. O entendimento da espontaneidade e a aproximação com as crianças e o brincar permitiram ampliar minha visão para tentar coisas novas além das tarefas e da produtividade. Posso dançar, sem precisar ser dançarina; posso pintar, sem precisar ser uma artista; posso jogar, sem precisar ganhar; posso me permitir fazer coisas sem me preocupar se vão ficar boas, apenas fazer pelo prazer e espanto de criar. Isso também é saúde.