



Namastê sim, gratiluz-negacionista nunca: saiba quem somos de verdade
Namastê é uma saudação. A palavra tem origem sânscrita derivada de outra palavra ‘Namaha’, que significa prestar homenagem. Para quem segue um estilo e vida de yoga, baseado em conhecimentos nascidos no Vale do Rio Indo com de mais de 5000 anos, é natural e conhecida a crença de que existe o divino (atma) dentro de cada ser vivo. Por isso, essa saudação é tão profunda, significa respeitar o divino que existe dentro do outro como o meu próprio divino – uma vez que somos apenas um.
Corta para o Brasil, 2021. Pessoas instruídas, profissionais da saúde teoricamente qualificados e “praticantes” de yoga apelando para argumentos e raciocínios negacionistas na sua defesa pela recusa da vacina que tantos outros há poucos meses sonhavam em tomar. A falta de conexão com a própria divindade, e a completa negação da divindade alheia – atestada pela incapacidade de se entender como parte de um todo muito maior, no qual pensar no bem comum está à frente dos desejos individuais – prova que o yoga no caso dessas pessoas é provavelmente só posição de circo e foto no Instagram.
A liberdade de cada um não é individual, é coletiva. Não existe liberdade para mim, se não houver para você. Nada nos diferencia, apenas o fato de que você talvez acredite que ao tomar a vacina se transformará em um jacaré e eu, não. Uma vez que estamos conectados, em sociedade, em rede, em uma organização urbana, em uma cidade, estado e país sob as mesmas regras e leis, em um planeta que sente o passo de cada animal terrestre e o bater de asas de cada animal voador, onde está a nossa separação?
É justamente nessa nossa conexão, nesse fio invisível que faz as minhas ações interferirem na vida de outras pessoas sem eu sequer notar, que mora o conceito de coletividade.
Assim como eu não preciso ver para crer nessa conexão, eu não preciso ver para crer que minhas ações interferem no meu corpo, na minha saúde, na minha família, na minha rua, na natureza que me envolve, no saneamento, aterro e em cada célula de coleta seletiva da minha cidade, na definição de quem vai ser meu presidente e até na atmosfera, nos movimentos dos ventos e dos mares, na saúde da floresta. Sim, isso está nas mãos de cada um de nós. Mas não precisamos ver para crer.
Qual seria a diferença de impacto, quando se trata da minha escolha de vacinar ou não vacinar? Como alguém que se preocupa, por exemplo, com o bem estar animal, pode fechar os olhos para essa conexão tão óbvia? A única coisa que me leva a crer é que essa pessoa está colocando seus interesses na frente das necessidades da comunidade em que habita, chamada Planeta Terra.
No menu da prática de Yoga, a autonomia é o couvert do autoconhecimento. Este, como prato principal, demora a chegar. Mas vem. Dizem que vem. Supostamente, depois, é trazida a sobremesa: a iluminação, a liberdade, Moksha. O restaurante está cheio e com clientes muito exigentes. Quanto mais tempo eles estão lá, mais exigentes ficam, mais acham que tem direito à sobremesa. E isso faz eles acreditarem que tem o direito de apressar o chef só porque estão sentados ali há algumas horas. A sobremesa demora muito a chegar. Só é trazida para os que tiverem muita perseverança e calma.
O “problema”, o desafio, o fato do yoga no séc XXI é que a galera mal deu a primeira mordida no couvert e já está brigando com o garçom, todo mundo acredita que pode opinar no cardápio e que, claro, cozinharia algo melhor. Nem descobrimos direito o verdadeiro significado de autonomia, de pensar sozinhos, de entender de fato o que se apresenta para nós. Imagina se aprofundar no seu melhor e no seu pior?
Em uma era em que impera a pressa e o imediatismo, parar e pensar é perda de tempo. E é aí que o pessoal “namastê” se diferencia do “gratiluz negacionista”. Então não vamos confundir mais um com o outro: O primeiro se entende como parte do coletivo, colabora e quer ver todos prosperarem, aceita a sua ignorância e sabe o que o conhecimento se mostra aos poucos, tem que ser degustado. O segundo está grato pelo couvert, tirou foto, postou, agora está engolindo o prato principal e não para de pensar na sobremesa, sem nem ter apreciado a companhia, sem olhar nos olhos daqueles com quem partilha a mesa – a vida – a existência. Mas vai ter má digestão.
Namastê sim, e Namastreta também. Aqui ninguém quer ser confundido com antivax e negacionista. #pas
ass eu, mesma – vegana, eco-chata, vacinada com duas doses e grata ao SUS e a ciência