



Para 2022, competir menos e se solidarizar mais
Estava lendo uma entrevista com o sociólogo Carlos Alberto Dória no site da Revista Gama sobre as tradições inventadas na nossa culinária brasileira, publicada em outubro do ano passado. O teor da reportagem, no qual explora o conteúdo dos seus livros “Formação da Culinária Brasileira – Escritos sobre a Cozinha Inzoneira”, de 2014 e “A Culinária Caipira da Paulistânia – A História e as Receitas de um Modo Antigo de Comer”, de 2018, não vem ao caso pra este texto, apesar de ser uma leitura interessante. O que me chama a atenção é uma frase que ele cita no final da entrevista: “Eu acho a competitividade o pior aspecto do capitalismo”.
O sociólogo se refere ao Masterchef e, independente do quanto eu seja apaixonada pelo programa, concordo com o seu pensamento.
Lembrei de algo que falo com frequência para o meu afilhado, o Lucas, que tem 7 anos. Por mais que ele receba uma educação que se esforça para ser humanizada, a ideia de competitividade na qual é exposto através de filmes, desenhos, tipos de brincadeiras, nos esportes e etc., colabora pra que ele entenda muita coisa no dia a dia como uma competição. Quem é mais legal, quem é mais forte, quem é melhor, quem se divertiu mais, quem desenhou mais bonito, quem ama mais e por aí vai. Não é um privilégio dele, infelizmente. Estou usando como exemplo porque quando estamos juntos sempre tento lembrá-lo que “nem tudo precisa ser uma competição, Lucas”.
Nós, regidos pelo capitalismo ocidental, crescemos e somos moldados a acreditar que produzir mais, entregar mais e vencer nos eleva como pessoas superiores e dignas de desfrutar essa glória do “ser mais” que os outros.
É uma pena que somos reféns desse sistema. Eu não posso, por exemplo, falar pro Lucas que ele nunca vai precisar disputar nada. A competitividade vai aparecer na vida dele, vai testá-lo e, eventualmente, ele vai precisar ser competitivo. Assim como todos nós, uns mais ambiciosos e outros menos. Alguns por inveja, cobiça, e outros para sobreviver e se manter nos espaços. É a dança do capital. No entanto, ao mesmo tempo, vivemos uma crise civilizatória, onde a lógica do lucro, da exploração e da produtividade tem colocado em risco o que nos resta de humanidade, extrapolando inclusive todos os limites da nossa relação com o Planeta. Em um contexto macro e geral, primordialmente, precisamos de justiça social. Resgatar, encontrar ou construir outras formas de vida, combater desigualdades e sistemas discriminatórios. Ademais, no dia-a dia, precisamos de solidariedade, especialmente nesse momento do mundo. Não somos incentivados a sermos solidários da mesma forma que somos encorajados a ver os outros como rivais.
Recentemente, saiu um estudo global feito por Simon Gächter, professor de psicologia na Universidade de Nottingham, no Reino Unido, em que aponta que pessoas altruístas podem ser vistas de forma negativa pelos outros. Alguns psicólogos, como aponta uma reportagem da BBC, até batizaram esse termo como “menosprezo a benfeitores”, que é quando as pessoas possuem uma atitude negativa em relação a pessoas que estão apenas tentando tornar o mundo um lugar melhor ou menos desconfortável. Embora semântica ou empiricamente, altruísmo e solidariedade não sejam exatamente sinônimos, apesar de caminharem juntos muitas vezes, o resultado da pesquisa mostra em que ponto estamos na humanidade.
Não seria um alívio imenso se, no cotidiano mesmo, começando pequeno, a gente olhasse mais para quem está do nosso lado de forma mais solidária e menos competitiva? Que essa atitude fosse uma micro política implantada nos espaços que a gente ocupa?
Desejo então que, em 2022, a gente esteja mais atento a isso, que ofereça mais ajuda, seja mais honesto e transparente, tenha mais cuidado na escolha das palavras, respeite e tenha nossos limites respeitados, que a gente pergunte antes de julgar, tenha mais paciência e disponibilidade para tentar entender as diferenças. Que grandes realizações individuais se concretizem, mas que exista, onde estiver, um pacto visando um ideal de civilização baseado num projeto coletivo de vida. Que você compartilhe mais e construa para si e para os outros.
Feliz 2022.