



Quem deve cuidar da água? Será mesmo que seu banho é o problema?
Aquecimento global, acesso desigual, falta de fiscalização e controle, distribuição desequilibrada: será mesmo que seu banho é o problema?
Viver em São Paulo é viver com uma relação tensa com a água. Desde a grande crise hídrica de 2014, que deixou boa parte da cidade sem abastecimento ou com regras de uso bastante controladas, os moradores da capital temem, todos os anos, o retorno do problema. E sabemos que ele vai chegar, mais cedo ou mais tarde, afinal, uma cidade deste tamanho, dependente de uma fonte principal e com políticas públicas tão pouco afeitas aos cuidados com a água não tem mesmo como escapar da questão.
É 2021 e o problema voltou — ainda mais grave.
A emergência hídrica é associada à escassez de precipitação na região hidrográfica, mas não podemos olhar para o tema de forma tão simplista. Esta frase precisa ser desmembrada em, ao menos, duas partes: a primeira é a “escassez de precipitação”, que já começa a ser um dos reflexos da crise climática que estamos vivendo. O aquecimento global impacta e afeta todos os sistemas da natureza, alterando não só os padrões de temperaturas, mas também as precipitações — além dos níveis dos mares e oceanos, hoje um ponto mais bem compreendido pelas pessoas em geral. Há, obviamente, múltiplos impactos sobre outros seres e cadeias — de microrganismos até seres humanos. A natureza é um (eco)sistema em que todas as partes estão interligadas. Tudo o que fazemos afeta o meio ambiente e nos afeta de volta — algo que parece que nós, que nos pretendemos donos superiores do mundo, ainda não entendemos ou relutamos em aceitar. Há décadas esta mentalidade vem nos fazendo alterar os padrões da Terra, impondo o que forjamos como “progresso” sobre a sabedoria da natureza e, bom, o resultado está aí. Uma das consequências é que sim, chove e vai chover menos em alguns lugares e momentos, enquanto outros serão alagados e devastados.
A segunda parte para a qual precisamos olhar é a “região hidrográfica”. Apesar de o Brasil ter quase um quinto das reservas hídricas do mundo, a falta de água é uma realidade em várias regiões porque ela não é igualmente distribuída no território brasileiro. A região Norte, por exemplo, concentra a maior parte da reservas hídricas do país e, ao mesmo tempo, tem menor densidade demográfica. Já no Sudeste e no Nordeste, onde está concentrada a maior parte da população e das atividades industriais, existem menos reservas hídricas. Megalópoles não são sustentáveis. A alta centralização de pessoas e atividades econômicas em poucas áreas tem consequências complexas, que também só estamos dimensionando agora. Pensar o Brasil para além do Sudeste é fundamental na caminhada em direção a um futuro mais equilibrado.
Além disto, como reforça o professor Rodolfo Alves Pena, “isso não significa, é claro, que as regiões mais abastadas de água estejam livres de uma crise de água, haja vista que, além da disponibilidade, são necessários planejamento, gestão e infraestrutura para garantir a distribuição desse recurso para todos os habitantes, o que nem sempre acontece.”
Afinal, não se pode falar em água, em crise hídrica, sem falar de agronegócio. A geração Millennial cresceu ouvindo que era preciso fechar a torneira, tomar banhos curtos, apagar as luzes, não lavar a calçada. Cresceu ouvindo que economizar água era tarefa sua — e, sim, embora seja mesmo tarefa de todes nós, dados da Agência Nacional de Águas (ANA) mostram que, de cada cem litros de água consumidos, 72 são usados na irrigação agrícola. Desses, 12% vai somente para abastecimento animal. Ao mesmo tempo, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, estima-se que mais da metade da água usada na agricultura é desperdiçada, tanto por falta de controle quanto por problemas na rede de irrigação. Se a indústria pecuária sozinha reduzisse em 10% seu consumo, teríamos o suficiente para abastecer o dobro da população. E quanto falamos de pecuária, estamos falando desde o plantio de soja para ração até o abate, passando pela alimentação e os “cuidados” com os animais ao longo de suas (breves) vidas.
Portanto, sigamos sim cuidando ao máximo das águas da nossa vida. Sigamos tomando banhos curtos, fechando a torneira, apagando a luz. E mais: aprendamos o quanto nossos cosméticos, produtos de higiene e de limpeza da casa, nosso lixo afetam e contaminam as águas da nossa região. Eu me proponho a seguir neste caminho, aprendendo e mudando minhas escolhas diárias, para reduzir meus impactos no planeta. Me proponho a aprender mais sobre sistemas de reaproveitamento e investigar se eles podem ser aplicados à minha casa — alugada, localizada no meio da selva de pedra de São Paulo, mas ainda assim passível de mudanças. Mas, acima de tudo, me comprometo e convido todo mundo a compreender melhor que a valorização do elemento água vai muito além do indivíduo: que cobrar nossos governantes e nossas empresas é fundamental.
E, que se quisermos falar de iniciativas individuais, talvez seja mais relevante termos a coragem de parar de financiar o agronegócio e, sobretudo, a pecuária — mudando o que comemos, de quem e de onde compramos nossos alimentos — do que tomarmos banhos de 3 minutos.